quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Programas de trainees se voltam para o conhecimento técnico


A formação de futuros líderes é o mote da maior parte dos programas de trainees das empresas de grande porte. O objetivo é quase sempre atrair jovens talentos pensando em transformá-los nos gestores de amanhã. Não há mal nenhum nisso, mas há quem alerte para a miopia das empresas ao se esquecerem de formar bons técnicos, pessoas com conhecimento aprofundado em suas áreas de atuação que não necessariamente venham a ocupar cargos de chefia, mas que são especialistas em segmentos específicos. “Desde sempre, os programas são voltados para questões de liderança, até por um gap de liderança que sempre existiu”, avalia a consultora da LHH/DBM – especializada em transição de carreira e desenvolvimento de talentos – Geovana Magalhães.

Ela chama atenção para a necessidade de as empresas equilibrarem os perfis dos profissionais cujo foco está na liderança e outros cujas habilidades técnicas são mais destacadas. Geovana fala até em uma tendência quando se refere ao que poderíamos chamar de trainees técnicos. “Se você pensar na carreira em Y, que está se tornando uma realidade dentro das organizações, eu acredito que pode ser uma tendência sim”, afirma.

Algumas empresas já perceberam a necessidade de adaptação, como a Braskem, empresa do setor químico. Embora o ramo de atividade da companhia demande naturalmente a contratação e o desenvolvimento de profissionais técnicos, o programa de trainee só se adaptou a isso há dois anos. “Sentimos falta de trainees para atuar na área industrial”, explica a gerente de Atração de Talentos da companhia, Daniela Panagassi. “O processo petroquímico é extremamente específico e complexo, e a gente não consegue formar as pessoas de um dia para o outro.”

Para atender às necessidades específicas, a empresa dividiu o programa voltado aos recém-formados em dois eixos: de um lado ingressam jovens cujas competências se encaixam em cargos mais corporativos – como Finanças, Marketing e Recursos Humanos –, enquanto na outra ponta estão os chamados internamente de trainees industriais, que preferem jalecos brancos e óculos protetores. “Os candidatos às vagas disponíveis naquele trainee mais corporativo têm um perfil voltado para a comunicação, é outra habilidade, diferente da do trainee industrial”, explica a gerente. “Os candidatos com esse perfil mais técnico se inscrevem diretamente para o programa de Trainee Industrial”, informa.

O modelo, no entanto, não prescinde de oferecer uma visão 360 graus da empresa. Todos os trainees selecionados passam por um módulo inicial, mais abrangente, e que trabalha habilidades gerais, como comunicação, criatividade e, inclusive, liderança. “Porém, para o trainee industrial, temos, posteriormente, uma capacitação específica em processo petroquímico ou em processo de manutenção, que dura um ano e meio.”

Técnicos próprios

Na visão da diretora de Desenvolvimento da Oi, Patrícia Coimbra, é na falta de maior oferta de mão de obra qualificada no mercado de trabalho que reside a importância de as empresas não “descuidarem” do lado técnico na hora atrair seus futuros talentos. Foi esse o motivo que levou a empresa a criar, em 2008, o programa Trainee Expert, cujo foco é garantir o desenvolvimento das competências intrínsecas de cada candidato – sejam voltadas à gestão ou ao tecnicismo. “Com esse cenário [o da falta de profissionais qualificados], decidimos formar essa mão de obra especializada dentro de casa”, explica Patrícia. Para as vagas mais técnicas, a estratégia da Oi foi buscar os jovens na fonte, ou seja, nos cursos de exatas de universidades de todo o país. “Olhamos e avaliamos os candidatos com base no seu potencial”, diz a diretora.

Uma vez selecionados, os jovens passam por um processo de formação dividido em etapas. A primeira é justamente a especialização, um curso intensivo de quatro meses em telecomunicações, ministrado em parceria com o Instituto Nacional de Telecomunicações (Inatel). Depois de nivelado o conhecimento básico sobre o negócio da empresa, o processo continua com mais dois anos de desenvolvimento, com vistas a ocupar as vagas técnicas identificadas como críticas na etapa inicial do programa.

Relação custo/benefício

A consultora Geovana Magalhães também destaca a relação custo/benefício do investimento neste tipo de treinamento. O primeiro ganho, em sua visão, é a aceleração do processo de especialização da mão de obra técnica, já que, se relegada apenas à experiência ao longo do tempo, essa especialização pode não acompanhar as mudanças do mercado ou as necessidades da própria companhia.

As empresas também ganham ao evitar o ônus de investir no talento “errado”. Geovana explica que, na medida em que os programas de trainee são vistos como uma oportunidade para os jovens, muitos deles, de perfil mais técnico, acabam se inscrevendo em processos focados em gestão. “Isso acarreta um desvio de interesses. Se você não observa isso desde o início pode investir em alguém que não quer uma carreira de gestão, ou que não vai se adaptar a ela”, conclui a consultora.